Entrevista 2 - Professor Ricardo Festi
- carpediemetec
- May 6, 2014
- 4 min read
"[...]enquanto educador eu busco isso, o jovem que tem autonomia para pensar e agir, isso é fundamental para que você consiga interpretar sua realidade, pensando em como dar soluções para inúmeros problemas. [...]"
Ricardo Couturato Festi é professor de Sociologia na UNICAMP e em algumas outras instituições de ensino (inclusive pertencentes ao Centro Paula Souza). Sua grande área de estudo é a Ditadura Militar (1964-1985), em que fundamenta suas pesquisas e desenvolve pensamentos sobre como esse movimento influência/influênciou nosso país.
A nossa Etec quer dar um ênfase a esse tema, até mesmo pelo fato de estarmos comemorando 50 ANOS DO GOLPE que instaurou o regime no país. Para tanto, o professor foi chamado e desenvolveu com os alunos uma palestra que certamente foi construtiva.
O Carpe Diem não perdeu oportunidade, e nos bastidores entrevistou o professor!!! Veja:
1 - Porque você resolveu fazer doutorado nessa área?
Desde o ensino médio eu comecei a me questionar e a refletir sobre a sociedade, procurando respostas a inúmeras questões que são colocadas por ela. Isso me fez iniciar o curso de Ciências Sociais; neste curso eu fui pesquisar Ligas Camponesas, que foi um movimento dos anos 50. Em meu mestrado pesquisei uma fábrica que funciona há 12 anos só com trabalhadores, então eu quis compreender como foi a formação do movimento de trabalhadores que ocorreu no Brasil no final da ditadura que dá origem a política que existe hoje. É muito importante compreender esse período, é o que estou tentando fazer no doutorado, entender como foram esses movimentos.
2 - Durante as pesquisas, você se surpreendeu com algo?
Sim; na graduação, quando fui pesquisar as Ligas Camponesas eu mexi nos arquivos do DOPS, arquivos da repressão do Estado; esse foi um momento que me surpreendeu, havia um nível de investigação de detalhes do aparato repressivo que o Estado tinha contra os movimentos sociais. Imagina um movimento de camponeses; você encontrava um texto, um papel de pão escrito a mão que as pessoas pregavam em árvores para chamar a uma assembléia; pegavam esse papel e colocavam no arquivo da policia. Esse detalhamento me surpreendeu.
3 - Em sua opinião, há chances de um sistema próximo aos da Ditadura retornar?
Hoje no Brasil, acho que não. Recentemente teve uma marcha saudosista dia 22 de Março, tentando retomar uma marcha que aconteceu dia 19 de Março de 1974, que solicitou um golpe militar; aconteceu em São Paulo, no Rio de Janeiro, em várias cidades; mas não tinha quarto mil, seis mil pessoas nessa marcha em todo o Brasil. Acho que é um grupo muito minoritário, é difícil de retornar, pois os instrumentos de controle existentes hoje em nossa democracia são mais eficazes do que uma Ditadura, para haver um golpe de estado tem todo um clima necessário para ocorrer. Acho difícil hoje na conjuntura, mas isso não quer dizer que não possa retornar, no futuro pode ter pessoas que queiram que isso aconteça, estamos sempre sujeitos a isso acontecer novamente; por isso a luta por democracia é permanente.
4 - Em sua opinião, há algum ponto positivo na ditadura?
Eu acho que um ponto positivo foi a luta contra a ditadura (risos), isso criou um movimento artístico intelectual, porque ao impor uma repressão, você também impõe uma resistência; a repressão nunca é absoluta, ela não pode controlar a mente das pessoas; as pessoas passam a resistir e a produzir, a criar. No período resistente nós tivemos um momento de maior criação de movimentos de produção intelectual artística. A ditadura em si, não acho que teve um ponto positivo.
5 - Você pode falar um pouco sobre a repressão existente no ensino durante a ditadura?
Eu sei pouco disso, mas recentemente saiu uma entrevista com um professor de ensino médio da época da Ditadura, denunciando que a escola dele tinha escuta dentro da sala de aula; certo dia um aluno fez uma pergunta sobre os governos, ele respondeu, também falou sobre a União Soviética; saindo da sala de aula o diretor o chamou e logo em seguida ele foi demitido. A partir do AI-5 muitos professores das Universidades públicas foram demitidos, a repressão era muito forte nesse sentido.Logo depois do Golpe, os grêmios são proibidos e é instalado no lugar do grêmio um conselho; quem presidia o conselho era um professor, esse professor era responsável por uma disciplina chamada Moral e Cívica, essa disciplina tinha o objetivo de colocar na cabeça dos alunos que a Ditadura era boa. Disciplinas foram retiradas do currículo, como: sociologia, filosofia e até história e geografia.
6 - O que você espera dessa geração de jovens para o futuro?
Eu espero que eles consigam ter um espírito maior, um espírito critico, que sintam a vontade de mudança. Espero que os jovens do futuro e os jovens de hoje sejam mais críticos; enquanto educador eu busco isso, o jovem que tem autonomia para pensar e agir, isso é fundamental para que você consiga interpretar sua realidade, pensando em como dar soluções para inúmeros problemas
7 - Algo mais a considerar? Você gostaria de deixar uma mensagem?
Sim, eu acho que esse projeto que os professores da escola de vocês estão desenvolvendo é fundamental. Como eu falei na palestra, a maioria das escolas brasileiras não vão debater esse tema, pelo medo de debater, por não saber debater, mas principalmente porque esse tema ainda é um tabu; como o racismo, às vezes as escolas são reprodutoras do racismo. Não se debate sobre a Ditadura nas escolas, pois ao se debater você passa a se chocar com uma estrutura que é repressiva, a própria escola em si é uma estrutura repressiva; isso incomoda. Eu adorei vir aqui conhecer vocês, ver que vocês tem um blog, uma iniciativa, isso é algo muito legal!
Entrevista realizada por: Cézar Sena, Eduarda Macedo, Karine Oliveira, Kelvin Leon, Matheus Soares, Natalia Santos e Renata Santos.
Komentarze